Turquia. Os protestos que os media estatais não mostram

por Cristina Santos - RTP
Foto: Murad Sezer - Reuters

Para muitos está em causa a luta pela sobrevivência da democracia e o futuro do jornalismo. Os órgãos de comunicação social estatais ou economicamente dependentes do Estado turco não estão a mostrar as manifestações no país contra a detenção do autarca de Istambul, um dos principais opositores ao presidente Recep Tayyip Erdoğan.

Um dos exemplos mais recentes: enquanto nas ruas de Istambul o protesto enchia as ruas contra o Governo, quem estava a assistir à televisão pública turca estava a ver Erdoğan a propagandear feitos do seu Executivo numa conferência aeroespacial e de tecnologia

Já o canal por cabo pró-Governo NTV transmitia os esforços do ministro das Finanças para estabilizar a economia. E os protestos que estavam a acontecer naquele momento? Silêncio total dos canais estatais.

A cobertura substancial dos protestos tem sido feita pelos poucos jornais e canais por cabo que são independentes de qualquer financiamento governamental.

O representante turco da ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), citado pelo Guardian afirma que "este é o resultado negativo do que Erdoğan construiu durante duas décadas, que é um ambiente de media altamente polarizado e tóxico".

Erol Önderoğlu, da Repórteres Sem Fronteiras, aponta para a disseminação de canais por cabo e empresas de comunicação social que têm laços financeiros de longa data com o Governo. "Erdoğan agora controla cerca de 85 por cento dos media nacionais na Turquia, portanto não estamos a falar de um ambiente de media justo onde o pluralismo realmente existe e floresce", conta o representante da RSF.

Um professor de ciência política na Universidade Özyeğin de Istambul refere ao mesmo jornal britânico que quando os canais pró-Governo fazem a cobertura de declarações da Oposição turca ou dos manifestantes, estes são descritos como “agressivos e hostis, mas também fracos e incapazes de aceitar que Imamoğlu (o autarca de Istambul) cometeu crimes”.

“Se assistirmos ao que diz a comunicação social estatal, os manifestantes são apresentados como um bando de vândalos que insultam Erdoğan”, sublinha este docente.

A entidade que regula e vigia os media do governo da Turquia (RTÜK) proibiu a transmissão de imagens em direto dos protestos.

As autoridades detiveram também dez fotojornalistas, esta semana, que estavam a fazer a cobertura jornalística dos protestos.

"Como sabemos, as imagens são poderosas e estes últimos protestos mostram que a democracia da Turquia está a resistir", diz ao jornal online The Guardian o especialista em media Emre Kızılkaya, do Carr Center for Human Rights Policy da Harvard Kennedy School of Government.

A maioria dos turcos tem acesso às notícias pela televisão e o controlo governamental significa que os poucos canais que são críticos ao governo estão constantemente a sofrer multas pesadas dos reguladores.

Uma pressão que aumentou desde o início dos protestos numa altura em que “o futuro do jornalismo está em jogo”, avisa o especialista em media Emre Kızılkaya.
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